“...não
é possível conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios
reais...”
(K. Marx e F. Engels em A ideologia Alemã)
1.
Mas afinal, o que é sindicato?
Embora com freqüência nos pareça o
contrário a humanidade não adotou sempre a mesma forma de organização social
que conhecemos. Se considerarmos o longo curso da história da humanidade,
encontraremos um processo de organização social que foi se transformando, sendo
que uma forma de sociedade vai surgindo da e suplantando a anterior.
Assim, em tempos longínquos a
humanidade sequer conhecia a idéia de propriedade, e seu significado econômico
e social. O mesmo não se pode dizer do trabalho, este origem da evolução humana
e que veio definir, de forma profunda as sociedades, desde as comunidades
extrativistas e caçadoras, até a “aldeia global”, ligada em segundos pela
comunicação eletrônica.
Foi ao estabelecer seus primeiros
contatos com a natureza, dela extraindo sua sobrevivência, que o homem evoluiu.
Antes pela simples extração e caça, depois pela transformação e a
resignificação dos elementos da natureza, o trabalho definiu o homem, e
engendrou as relações sociais ao longo da história.
Da comuna primitiva ao moderno
capitalismo financeirizado a humanidade viveu diferenciadas formas de
sociedade. O escravismo, determinado pela submissão de imensas parcelas da
população a imperadores e faraós, ou a submissão de povos por outros povos,
onde o próprio homem-escravo era objeto de propriedade.
No feudalismo, a propriedade da
terra em mãos de alguns senhores, passou a determinar nova forma de sociedade,
caracterizada pelos feudos – grandes extensões de terra – verdadeiros reinos
individuais, sob a ordem do senhor feudal, a quem os vassalos pagavam pelo
direito de trabalhar a terra.
Se no feudalismo a propriedade já
não se estabelecia sobre o corpo do homem[2],
mas sim sobre a terra, ainda assim os vassalos estavam submetidos completamente
às condições determinadas pelo senhor feudal. As condições de vida eram
precárias. Predominava o trabalho da terra.
À margem do feudalismo vão surgir os
primeiros artesãos e manufaturas. Constroem-se as primeiras cidades – burgos - dentro das quais começam a se
desenvolver atividades de produção visando atender as necessidades de uma
população que cresce a cada dia.
É essa necessidade que irá
determinar a organização da produção em escala cada vez maior, culminando com o
surgimento da indústria, que irá provocar uma nova e profunda reorganização
econômica da sociedade. Nasce o capitalismo.
Se foi o trabalho que esteve, desde
a origem, na base da evolução humana, determinando sua relação com a natureza e
com os outros homens, foi a configuração da idéia de propriedade, que
consolidou a divisão social que se propagou na história. A divisão social entre
proprietários e não proprietários, que já aparece no escravismo, se fortalece
no feudalismo, e se consolida com o advento do capitalismo.
O surgimento da indústria, se por um
lado fez substituir os senhores feudais pela burguesia no comando econômico e
político da sociedade, estabeleceu a existência de uma nova classe social: os
não proprietários, que, expulsos e fugidos dos feudos, vão formar uma imensa
massa de trabalhadores[3]
nas cidades que vão surgindo.
Não sendo proprietários de
ferramentas ou máquinas, sua única opção é a venda de sua força de trabalho aos
donos da emergente indústria.
O marco econômico tido como momento
de consolidação do capitalismo se dá com a Revolução Industrial, iniciada na
Inglaterra no século XVII. Seus marcos políticos foram a Revolução Burguesa de
1640 na Inglaterra e a Revolução Francesa de 1789.
É exatamente com o capitalismo que
surgem os sindicatos. Tendo que vender sua força de trabalho, os proletários vão ter a necessidade de
organizar-se para, pelo menos, vendê-la em melhores condições.
No entanto os sindicatos, enquanto
organização, não surgiram automaticamente. Foram necessários longos períodos de
experiência dos trabalhadores.
Num processo de aprendizagem, os
trabalhadores vão experimentar inúmeras formas de resistência à exploração[4].
Algumas ficaram registradas na história e recuperamos aqui:
1) o
luddismo – tem sua origem no nome do operário têxtil inglês Ned Ludd, que
destruiu os teares mecânicos da fábrica. Era a revolta dos artesãos com a
substituição de seu trabalho pelo das máquinas. O gesto de Ned Ludd foi
repetido por trabalhadores ingleses e franceses entre 1811 e 1812, levando o
parlamento inglês à aprovação de uma lei em 1812, punindo com pena de morte os
quebradores de máquinas.
2) o
boicote – também surgido na Inglaterra, o termo deriva do nome de um
oficial inglês, Sir Boycott. Era ele o encarregado de administrar os negócios
do conde Erne (da Irlanda). Como Boycott recusava-se a negociar com os
trabalhadores e utilizava de violência no tratamento dos empregados, esses
passaram a instigar os moradores do povoado a não adquirir produtos do conde
Erne. Com o prejuízo para seu negócio, o conde afastou Boycott.
3) a
sabotagem – derivada da palavra francesa sabot, que quer dizer “tamanco”, indica o movimento em que os
trabalhadores utilizavam esse tipo de calçado para danificar as máquinas,
emperrando a produção e causando prejuízos aos proprietários da indústria.
4) a
greve – é o grande salto na organização dos trabalhadores nos primórdios do
capitalismo e forma de resistência que se mantém até hoje. Sua origem está
associada à Praça de Greve[5]
(place de grève) em Paris. “Quando
desempregados ou para tratarem de assuntos relativos ao trabalho, os operários
costumavam reunir-se ali. “Faire grève"(fazer greve) significava,
portanto, reunir-se na Praça de Greve”. [6]A
greve se desenvolveu como instrumento de pressão de trabalhadores sobre patrões
à medida que determina a parada da produção, causando perda econômica aos
proprietários das empresas.
É sobre esta base de experiências de
organização, decorrentes da divisão de classes na sociedade engendrada pelo
capitalismo, que vai surgir o sindicato. Sua origem etmológica é do francês syndic, que significa “representante de
uma determinada comunidade”.
Longe de sua versão atual, o
sindicato surge como organização clandestina[7],
no interior das fábricas. Registros históricos indicam a existência dessas
organizações (que na inglaterra chamavam-se trade
unions) desde 1699, embora o parlamento inglês só tenha aprovado uma lei
garantindo a liver associação sindical em 1812.
Um passo e tanto se considerarmos que no Brasil o direito à sindicalização
só acontecerá nas primeiras décadas do século XX.
1.1. Sindicato: um fim em si mesmo?
Desde suas primeiras experiências a
luta pela melhoria das condições de trabalho, a redução da jornada de trabalho
e o aumento salarial, são as questões fundamentais que compõe os objetivos das
organizações sindicais.
Chamados
de “objetivos imediatos” dos sindicatos, essas reivindicações formaram a
plataforma prioritária das lutas sindicais durantes os últimos três séculos. E
continua sendo assim na atualidade.
Mas é fato que, algumas dessas
conquistas somente tornaram-se duradouras ou mesmo definitivas quando
representaram conquistas de todos os trabalhadores. Assim foi com a luta pela
redução da jornada de trabalho que, travada inicialmente em cada fábrica,
passou à condição de luta política de todos os trabalhadores, consolidando-se
como direito em leis ao longo dos últimos séculos[8].
Essas transformações definitivas não
aconteceram ao acaso. Resultaram de longos períodos de experiências, lutas e
resistências dos trabalhadores. De início em cada fábrica, depois em cada
categoria, e por fim entre todos os trabalhadores.
Essas experiências e aprendizados,
seus resultados imediatos e ao longo do tempo, são o próprio sindicato.
Sindicato em sentido vivo. Não como órgão, mas como organização. O que se deve ter
presente, é que não se pode pensar sindicato enquanto estrutura institucional e
juridicamente reconhecida, embora essa tenha sido uma conquista do movimento
sindical, mas como a articulação organizada de um conjunto de movimentos e
experiências construídas pelos trabalhadores para enfrentar a luta de classes
no cotidiano de cada tempo histórico.
Organizações sociais, quaisquer que
sejam, não são uma invenção ou uma abstração. Nascem de realidades e
necessidades materiais. Assim os sindicatos não são mais que a síntese de
experiências de resistência à exploração construídas pelos trabalhadores nos
primórdios do capitalismo.
As relações de trabalho se tornaram
complexas e são hoje bem distintas daquelas que marcaram o surgimento dos
sindicatos séculos atrás. Os sindicatos por sua vez se consolidaram enquanto
organizações, ganharam força, sustentação financeira, (muitos) estruturas
consideráveis e passaram a ter existência legal reconhecida. E é bom que assim
seja.
No entanto, não são as estruturas
que irão determinar o sindicato, senão os objetivos
que os trabalhadores estabelecem, inicialmente enquanto categoria, e
finalmente, enquanto classe trabalhadora.
2. É possível o Sindicato ser escola?
Há um certo consenso entre os
sindicalizados que um dos esforços fundamentais do Sinjusc deve ser o da
formação sindical. Embora não esteja preciso o que seja a “formação sindical”
pretendida, trata-se de um consenso importante.
Faz parte dessa formação o
conhecimento sobre a origem dos sindicatos, seu papel histórico, suas crises e
limites.
Mas não há como separar a parte do
todo. Sindicatos não são um fato em
si. Como fenômeno social e histórico seu surgimento, seus
papéis e suas crises são dados pelo contexto econômico, político e social.
Assim, se explicam em grande parte as conquistas das lutas sindicais em
direitos sociais e trabalhistas no mundo bipolar que determinou o surgimento do
welfare state (estado do bem estar
social). Como se explicam os retrocessos praticados no neoliberalismo que o
sucedeu mundialmente. Não à toa, este último teve como objetivo fundamental “quebrar a espinha dorsal da organização dos
trabalhadores”[9],
os sindicatos.
O sentido de formação torna-se,
portanto, necessariamente mais amplo, abarcando não só a complexidade das
relações sociais decorrentes da organização do trabalho na sociedade
capitalista, mas também suas origens (na propriedade privada) e mediações (no
Estado). Como se desenvolvem no mundo contemporâneo, ainda capitalista. E como
se desdobram em categorias como a dos servidores públicos.
Nesse caso a idéia de formação se liga diretamente à origem
etmológica da palavra, qual seja: formar para a ação. Formar é mais do que
estudar e conhecer. É estimular um processo de reflexão sobre a realidade que
sirva para conhecê-la e ao mesmo tempo sobre ela agir para transformá-la. Um
passo para passar de sindicato-órgão para sindicato centro de organização e escola
de solidariedade[10].
Um processo de formação desse tipo
pode ter um início, como o que se está propondo. Mas não tem um fim desde já
estipulado. Pode crescer com novos aprendizados e experiências. Um processo que
só pode se dar coletivamente.
3. Sindicalismo de trabalhadores
públicos
A
atividade social desenvolvida pelos servidores públicos se distingue
fundamentalmente da atividade econômica. Entre trabalhadores públicos não há
patrões e empregados, nem o objetivo de lucro. Embora se reproduzam relações
sociais de mando e subalternidade próprias das estruturas empresariais, não há
um conflito típico capital x trabalho.
Mas é bom que se diga que o Estado em
nenhum tempo foi ou é neutro. Suas políticas e ações sempre pendem em favor da
classe social hegemônica.
Talvez
se explique porque a sindicalização e a liberdade de organização sindical tenha
demorado tanto a chegar aos trabalhadores públicos, o que no Brasil só
aconteceu com a Constituição de 1988.
Ainda
assim o movimento sindical dos servidores públicos tornou-se dos mais dinâmicos
na atualidade do Brasil. Provavelmente não só por sua juventude, mas também
pelas crescentes pressões neoliberais. Pressões pelo retrocesso nos direitos
trabalhistas e sociais, que atingem diretamente os servidores públicos, à
medida que, ao pugnar por um Estado mínimo, ataca exatamente a estrutura de
sustentação das políticas públicas. Trata os direitos à saúde, educação,
justiça, etc...e os gastos com a manutenção do pessoal necessário à realização
dessas políticas como “despesa” a ser eliminada.
A
sindicalização desses trabalhadores, mais do que um direito constitucional
representa um processo de transição lento e difícil. Implica a superação da
relação servil que os liga ao Estado e a seu papel de mediador social, sempre
pendente, como se disse, na direção dos interesses de determinada classe.
Se
de um lado a sindicalização é resultado e significado de uma, ainda não
concluída, identificação dos servidores como trabalhadores que o são; de outro
deve implica uma necessária resignificação de sua atividade, passando de servidores
do Estado a trabalhadores públicos.
Volnei Rosalen[1]
Bibliografia:
LOZOVSKI,
D. Marx e os sindicatos. São Paulo:
Ed. Anita Garibaldi, 2011.
LENIN,
Vladimir I. Que fazer? In: Obras
Escolhidas. Lisboa: Edições Progresso, 1977.
MARX,
K. e ENGELS, F. A ideologia alemã; teses
sobre Feuerbach, trad. Sílvio Donizete Chagas. São Paulo: Centauro, 2002.
Origem
e papel dos Sindicatos. Apostila do
Centro de Estudos Sindicais 1º. de maio. Altamiro Borges, org.
Evolução
das Sociedades. Apostila do Centro de
Estudos Sindicais 1º. de maio. Sônia Correa, org.
___________________________________________
[2]
Remanescem no entanto resquícios, como o direito do senhor feudal a possuir a
esposa do vassalo antes dele na noite de núpcias.
[3] São os
“proletários”, cuja origem da palavra se encontra no fato de possuírem grande
número de filhos. Ou seja, não sendo proprietários, tinham de seu apenas os
filhos.
[4] Para se
ter uma idéia a jornada de trabalho nas indústrias da Inglaterra chegava a 16
horas diárias e incluía crianças – Leo Huberman no livro “História da riqueza do homem” cita o depoimento de uma criança de
11 anos ao parlamento inglês em 1816 que descreve: “Sempre nos batiam se
adormecíamos. O capataz costumava pegar uma corda da grossura de meu dedo
polegar, dobrá-la e bater em
nós. Trabalhei a noite toda certa vez”.
[5]
Atualmente chama-se Praça do Hotel de Ville.
[6] Trecho
extraído da apostila “Origem e Papel dos Sindicatos” do Centro de Estudos
Sindicais 1º. de maio.
[8] No Brasil,
desde a Constituição de 1988 está assegurada a jornada semanal de 44 horas. Mas
existem em tramitação projetos de alteração prevendo a redução para 40 horas
semanais, numa transição para jornada futura de 36 horas.
[9]
Friedeman e Hayeck, tidos como ideólogos do neoliberalismo, o afirmam
exatamente com essas palavras.
[10] São de
Karl Marx as expressões “centros organizadores da classe” e também “escolas de
solidariedade” ao discorrer sobre os sindicatos.
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